TESOUROS PERDIDOS
Em 28 de outubro de 1526 a nau capitânia Santa Maria de la Concepción, da expedição do Sebastião Caboto, naufragou na entrada da Barra Sul da Ilha de Santa Catarina. Ele se dirigia ao Rio da Prata, com o produto do saque de um galeão francês no Nordeste. O navegador teria passado pelo Estado para fazer uma parada antes de ir atrás do lendário tesouro dos Incas, descoberta atribuída a seu antecessor.
Este navegador espanhol era considerado um dos sucessores do italiano Américo Vespúcio (primeiro navegador a constatar que as recém-descobertas terras do Novo Mundo constituíam um continente e não parte da Ásia).
Alguns objetos esparsos datados dos séculos 16 e 17 já foram eventualmente encontrados nas praias próximas, confirmando a potencialidade arqueológica da área.
É fato comprovadíssimo que vivemos em uma região por onde milhares de artefatos de ouro, prata e pedras preciosas passaram, tanto por mar quanto por terra.
A história de Santa Catarina e de Palhoça ganhou um novo personagem no ano de 2004, já conhecido há muitos anos pelos países vizinhos da América do Sul. Através da minuciosa pesquisa da jornalista Rosana Bond, registrada na obra “A Saga de Aleixo Garcia – O descobridor do Império Inca”, o português Aleixo Garcia, nascido em 1419, passa agora a compor o cenário do descobrimento de diversas regiões.
Em Palhoça, ele morou e conviveu com os índios guaranis carijós (ancestrais do grupo mbyás), aprendeu sua língua e costumes e percorreu caminhos jamais visitados por um homem branco. Aleixo Garcia foi um dos tripulantes de uma expedição composta por três embarcações e 60 marujos, que saiu da Espanha sob as ordens do então rei Fernando, com a árdua missão de encontrar uma passagem marítima para o Oriente através do Sul da América. Todos os marujos, inclusive Aleixo, partiram em 1515 sob o comando do piloto-mor da marinha da Espanha, Juan Diaz de Solís, que veio parar em Florianópolis, na então ilha denominada por seus habitantes indígenas da tribo carijós de “Meiembipe” e que oficialmente pertencia a Portugal desde 1494, devido ao Tratado de Tordesilhas. Em seguida, prosseguiram rumo ao sul, chegando ao Rio da Prata e parando em uma ilha da Argentina, onde Solís desceu do barco com alguns homens, sendo eles atacados, assados e comidos pelos índios daquela região. As embarcações, portanto, ficaram sem seu piloto-mor e partiram de volta pra casa, em 1516, na Espanha, sob o comando de novos homens.
A embarcação onde estava Aleixo Garcia perdeu-se das duas restantes e naufragou no litoral catarinense talvez devido a uma tempestade.
Alguns autores defendem que eram 11 náufragos e que apenas nove sobreviveram. Durante sua pesquisa, a autora Rosana Bond registrou depoimentos do cacique da aldeia mbyá guarani, em Palhoça, Werá Tupã (Leonardo), que guarda muitos registros repassados pelos seus ancestrais do grupo cariós. Ele contou que os homens de Solís foram encontrados desmaiados numa praia hoje pertencente a Palhoça por dois guerreiros que tinham saído para pescar e o pajé decidiu salva-los. Aleixo Garcia conquistou a confiança e a admiração dos índios cariós. Ele viveu seis anos na Ilha, casou-se com uma índia carió, teve um filho (chamado Aleixo Garcia Filho) e, segundo a autora, tornou-se uma espécie de líder entre os índios locais. “Efetivamente, Aleixo Garcia e um grupo de indígenas cariós da costa da ilha de Meiembipe viriam a protagonizar uma das maiores epopéias do continente americano: chegar ao império dos incas, na cordilheira dos Andes, antes que qualquer homem branco ali pisasse” (Bond, 2004, p. 37). Tal revelação, segundo a autora, foi feita ao náufrago pelos índios no ano de 1521 ou 1522: “o que os cariós de Santa Catarina revelaram (...), era que, em suma, conheciam o El Dorado e o caminho para chegar até ele” (Idem, p. 57).
De acordo com as informações repassadas para autora pelo cacique Werá Tupã, os guaranis se espelhavam muito nos incas e queriam aprender com eles. Ele detalha: “Os guaranis iam lá (nos Andes) e às vezes até ajudavam os incas a fazer suas casas de pedra. Os guaranis traziam vários milhos de lá. O milho, você sabe, é uma coisa sagrada. Esses milhos a gente conserva até hoje. Os incas eram os seres perfeitos que os guaranis queriam alcançar” (Idem, p. 64). A terra dos incas, segundo os cariós, era a terra do sol, que possuía objetos que brilhavam (de prata e ouro), o povo usava roupas e tinha um rei de pele mais clara. O cacique contou também à autora que os guaranis ainda admiram Aleixo Garcia e que guardam a lembrança de sua convivência com ele, mesmo que tal relação tenha se dado há quase cinco séculos atrás. Ele revelou à Bond que os velhos ainda comentam sobre sua existência e que ouviram as histórias dos antigos: “Dizem que ele era uma pessoa que apareceu e que era uma pessoa iluminada por Tupã. Tinha o coração bom. Ele veio mandado (pelas divindades, pelos criadores ancestrais, pelos espíritos), com a missão de ajudar os guaranis, ensinar, porque sabia que no futuro iriam precisar. Eles ensinaram o Caminho (de Peabiru, que conduzia aos Andes) para ele, mas sabiam que não podiam ensinar o caminho para todo mundo. (...) Só levavam aqueles que estivessem preparados.
O Aleixo Garcia era branco e foi preparado para ir “, explicou o cacique. (Idem, p. 39). Por volta de 1521, Aleixo Garcia iniciou então sua expedição pelo caminho sagrado, chamado pelos índios de Peabiru, com extensão de três mil quilômetros, que levaria o grupo à Cordilheira dos Andes. O Peabiru atravessava terras do Brasil, Bolívia, Peru e Paraguai e, segundo a autora, por integrar a mitologia indígena, adquiriu um caráter religioso para portugueses e espanhóis. Com Aleixo Garcia seguiram outros quatro náufragos e uma multidão de índios cariós.Eles saíram pelo mar de Florianópolis, desembarcando na altura do rio Itapocu (hoje Barra Velha), seguindo o caminho por terra. Ao chegar nos Andes, Aleixo Garcia foi então o primeiro homem branco a vislumbrar o Potosi, a maior concentração de prata do mundo, já conhecido pelos incas que flagraram a presença do português, tendo ele que fugir do local com a grande quantidade de pessoas e de prata que o acompanhavam. Ele tinha pretensões de retornar ao império inca para rever e explorar suas riquezas. Mas, na viagem de volta pra casa, quando Aleixo montou acampamento no Paraguay (onde permaneceu durante alguns meses) ele foi misteriosamente morto e comido pelos índios em 1525, durante um ataque à noite. O acontecimento, segundo o livro, deu-se na atual cidade paraguaia de San Pedro de Ycuamandyju, num ponto que ficou conhecido como Garcia-Cué (em guarani, “o lugar onde cambaleou Garcia”) e que hoje é uma praça, chamada Garcia Ca’aguy (“o bosque de Garcia’), onde a população da localidade acredita que estejam enterrados seus restos mortais. Existem diferentes versões sobre quem matou Aleixo Garcia. Uma delas fala nos índios paiaguás como responsáveis, que cobiçavam as riquezas que Aleixo trazia em sua viagem. Outra, acusa ainda os próprios índios cariós. O filho de Aleixo, assim como outros três homens brancos que o acompanhavam, permaneceram vivos. “Tudo se perdeu. A vida do líder, a expedição e o tesouro. Esse final trágico de uma das mais fantásticas epopéias americanas não impediu, porém, que Aleixo Garcia viesse a ser reconhecido pela História do Paraguay, Bolívia, Argentina e Peru, como o primeiro e mais impetuoso explorador de todo continente sul-americano ”, conta a autora. (Idem, p. 135)
O tesouro de Aleixo Garcia perdido nas águas de Santa Catarina
Depois de desbravar o caminho sagrado e encontrar as riquezas do império inca, Aleixo Garcia enviou diversas vezes para a aldeia no Massiambú, via escravos indígenas, quilos de ouro e prata que havia trazido dos Andes, além de diversas cartas, provavelmente com descrições da viagem e apelos para envio de armamento, homens e mantimentos. Há suspeitas de que os amigos brancos de Aleixo que ficaram na atual Palhoça (Morro dos Cavalos) tenham entrado em contato com a Europa para pedir apoio. Uma expedição foi montada e enviada pelos portugueses, sob comando de Jorge Sedeño, para encontrar Aleixo Garcia. O capitão foi guiado provavelmente pelas informações repassadas por carta pelo próprio Aleixo e rapidamente encontrou o local do acampamento no Paraguay, percebendo indícios do combate. Ele e muitos dos seus soldados também foram mortos num ataque indígena. Uma nova tentativa, em 1524, levou o navegador Diego Garcia de Moguer a atracar na ilha de Santa Catarina e coletar informações com os demais náufragos. Ele retornou à Espanha, fechou acordo com a coroa e ganhou estrutura para a viagem. Enquanto Moguer se preparava para a aventura, outra embarcação do espanhol Rodrigo Acuña atracou na ilha de Meiembipe (acredita-se que próximo a Imbituba ou Garopaba) para recompor-se. Já desanimados com a demora de Moguer (já se passara um ano), os náufragos apostaram em outra tentativa: entregaram à Acuña amostras do tesouro e um relatório que deveriam ser repassados ao rei da Espanha.
Ao iniciar os preparativos para a viagem de retorno, o bote que levava o tesouro à embarcação de Rodrigo Acuña afundou, matando 15 homens. “Foi assim que a maior parte do último tesouro de Aleixo Garcia acabou sob as águas de Garopaba ou Imbituba”, conta Rosana Bond. E quando Moguer finalmente chegou a ilha de Meiembipe, os náufragos já haviam se deslocado para outras terras.
Esta e muitas outras histórias revelam que o sul do Brasil abrigou, durante um certo período de tempo, tesouros valiosíssimos. Muitos dos quais por aqui se perderam.
Assim que eu começar as buscas, provavelmente no inverno de 2022, estarei atualizando esta página com o andamento das pesquisas.
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Everton Spolaor